Filmes de ação com foco militar direto ou indireto têm sido uma proposta atual e recorrente da Netflix. Mosul, nesse sentido, pode ter um olhar escancarado e já envergonhado da perspectiva de um exército dos EUA salvador, que alcança a paz a partir da guerra, libertando oprimidos de opressores unidimensionais (ou quase isso).
Mas isso não é alcançado de maneira tão instigante quanto, por exemplo, Resgate (de Sam Hargrave, 2020). A produção dos irmãos Russo — que, inclusive, trabalharam com a questão militar até mesmo nos filmes do Universo Cinematográfico Marvel que dirigiram e estão envolvido no roteiro de Resgate —, assim, tem uma camada de verniz de um suspense problemático e que, ao contrário do filme protagonizado por Chris Hemsworth, pouco ou nada acrescenta em sua forma.
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Atenção! Esta crítica contém spoilers sobre o filme!
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Um pedaço de esperança
O roteirista Matthew Michael Carnahan (de Guerra Mundial Z), por outro lado, parece querer fugir do lugar-comum. Carnahan, que estreia na direção com Mosul, baseia-se em eventos reais em sua construção da relação entre os Estados Unidos, a história do Iraque, o Irã e o Kuwait. A profundidade alcançada por alguns comentários, mesmo que pouco desenvolvidos, pode ser suficiente para que o filme se coloque em uma posição de compreensão sobre o que toca. Assim, as situações estereotipadas não surgem com uma sensação de arrogância, mas como uma tentativa de deixar claros os males do Estado Islâmico.
Consciente de que a organização jihadista islamita em nada tem a ver com o islamismo — esta que é uma religião pacífica —, Carnahan consegue, em termos sócio-políticos, estar ao lado dos salvadores sem menosprezar os salvados. Aliás, toda a perda sofrida pelos iraquianos após décadas de guerra é exposta em meio a um pedaço de esperança de reerguerem a vida.
Isso tudo fica, na prática, nas costas do ator iraquiano Suhail Dabbach. Seu Jasem é o reflexo do quanto Carnahan está se importando não somente com a forma-ação de Mosul, mas com a dramaturgia. Dabbach pode compensar toda a previsibilidade do filme com uma atuação que vai dos olhares ameaçadores como um fuzil aos intensos estouros em suas falas que explodem como uma granada. Ainda sobra espaço para que a empatia do personagem seja fomentada na amizade com um menino, que, afinal, carrega uma dolorosa perda da inocência.
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Em direção à derrubada de muros
Contudo, ao tentar equilibrar o conteúdo com a dita forma-ação, Carnahan — talvez por carregar a inexperiência do primeiro filme — parece deixar de lado justamente o como. Ele sabe muito bem o que dizer, mas toda a ação acaba sendo diluída em uma estrutura inicialmente monótona que só ganha corpo pela situação exposta. É como se as escolhas de planos, a decupagem proposta pela direção, pouco pudesse influenciar a experiência do público, sobrecarregando as atuações e os contextos sociais e políticos.
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Existe, provavelmente, uma ideia nessa abordagem, mas que perde o sentido quando a ação em si não tem força. O lado consciente de Mosul, nesse caso, seria o que falta para Resgate, que já é uma ação muito acima da média, ser considerada uma obra acima de quaisquer questionamentos. No final das contas, o cinema ainda precisa se livrar da subjugação recebida por filmes de gênero — algo que vem desde o teatro grego, com a diminuição à comédia em detrimento do drama, da tragédia.
Mosul é um passo à frente temático ao mesmo tempo que é passo nenhum em sua relação com a linguagem. Pode ser um bom filme sem carisma protagonizado por um ator carismático. É complexo e, simultaneamente, simples demais. Pelo menos, envergonhar-se de uma posição autoimposta de salvador é um passo interessante na direção de uma necessária derrubada de muros invisíveis.
Mosul está disponível no catálogo da Netflix.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech.
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Fonte: Canaltech