Viajar ao espaço é uma tarefa que exige fazer escolhas difíceis. Além de colocar a vida em risco para o bem de um planeta inteiro e fazer história, questões pessoais também são colocadas em jogo, uma vez que a distância prejudica toda uma dependência emocional de familiares e amigos, e a própria.
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Por isso, nada mais justo do que falar sobre uma longa e perigosa missão ao espaço em forma de um drama recheado de dúvidas, questionamentos, decisões certas ou erradas e problemas familiares. Foi pensando nisso que a Netflix acaba de lançar a série Away, original da plataforma de streaming.
Logo no trailer da primeira temporada descobrimos que a série se trata de um drama que acontece em torno da vida de Emma Green (Hilary Swank), uma astronauta que foi encarregada de ser a comandante de uma equipe que será a primeira a pisar em Marte. Como se não bastasse ser tripulante de uma nave espacial ser uma tarefa perigosa o suficiente, a situação acaba sendo ainda mais complicada por ser uma viagem inédita, uma experiência totalmente nova.
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Atenção: esta crítica contém spoilers da primeira temporada de Away
O que seria de um bom drama sem um apelo familiar, certo? De problemas a vida de Emma está cheia, mas a série parece ter sido criada para tudo dar certo no final, visto que raramente algo se torna grave de verdade ou motivo para insistência e intolerância. O problema maior, possivelmente, é o fato de o marido da protagonista, Matt (Josh Charles), ter sofrido um derrame em decorrência de um fator genético e ter perdido a mobilidade das pernas, tudo isso ainda nas primeiras semanas de viagem de Emma. Porém, como o enredo é capaz de passar por cima de tudo, a adaptação até que é rápida, assim como a aceitação da nova condição.
Matt, inclusive, faz o papel do marido ideal. Era para ser ele o astronauta que comandaria essa missão, mas, devido à saúde fragilizada, precisou descartar essa meta de vida, fornecendo todo o apoio necessário nessa jornada da esposa. Em muitos dramas, os roteiristas poderiam se aproveitar para criar intrigas, dedos apontados e outros conflitos graves, mas ao menor sinal de desentendimento tudo fica bem muito rápido.
O casal tem uma filha adolescente, Alexis “Lex” (Talitha Eliana Bateman), que também tem suas lamentações de “abandono” da mãe curadas rapidamente, assim como seus dramas pessoais de revolta por toda a situação que a família vem enfrentando e ainda de relacionamento amoroso. A personagem até tenta parecer transgressora quando começa a namorar um garoto que faz motocross, se aventurando também no esporte. Com um talento nato para pilotar, o novo hobby é feito escondido da família, até que ela sofre um acidente, mas tudo fica bem, é claro. No entanto, foi o suficiente para que esse detalhe fosse deixado de lado para voltar a focar na mãe e na viagem espacial.
Ainda sobre Matt e a sua nova realidade, a série também indica em alguns momentos que haverá um abalo no relacionamento do casal. Com a distância de Emma, a amiga Melissa (Monique Gabriela Curnen) havia ficado encarregada de fornecer o suporte emocional e, por que não maternal, à jovem. Mas com o acidente de Matt, ele também acaba se aproximando dela, com muitas cenas com olhares e diálogos que dão a entender que algo está para acontecer. No entanto, é mais um problema em potencial não acontece, com um sutil esclarecimento de que o sentimento vem apenas do lado dela.
Na Terra, tudo fica bem em meio às dificuldades, mas no espaço os problemas são bem maiores, o que acaba trazendo os melhores momentos da trama — uma vez que se trata da temática pura de Away. Ainda deixando de lado o fato da ciência em si, a série também traz conflitos entre os tripulantes, com tudo sendo mostrado conforme os personagens são apresentados e desenvolvidos.
Os escolhidos para ir a Marte compõem um grupo diverso, com a série trazendo questões da atualidade para serem debatidas, contando com a chinesa Lu (Vivian Wu), o russo Misha (Mark Ivanir), Kwesi (Ato Essandoh), natural de Gana, e Ram (Ray Panthaki), da Índia. Essa equipe não é mostrada apenas com seus talentos em suas profissões que os levaram a chegar a esse ponto da carreira, como também detalhes um tanto quanto peculiares de suas vidas pessoais, relações familiares e preconceito. Talvez como uma crítica às grandes empresas que ainda acreditam em valores antigos para a construção de uma reputação, a série aborda a situação de Lu e a colega de trabalho Mei Chen (Nadia Hatta), que acabou sendo afastada do cargo por descobrirem de sua relação afetuosa com a astronauta.
Away, como um drama que se preze, também trata da questão familiar de todos os tripulantes para conquistar pelo apelo emocional que traz identificação e um pouco de conforto para os dias complicados em que vivemos. A relação de Misha com a morte da esposa e o distanciamento da filha, o que é motivo para um sofrimento de anos, acaba sendo um ponto forte para o comportamento do astronauta, que é a faísca dos conflitos na maioria das vezes.
Também há a história de Kwesi, que perdeu a sua família biológica devido a uma doença que atingia as regiões menos favorecidas do seu país, mas que teve uma nova chance ao ser adotado e se tornar um dos melhores profissionais da botânica em seu país. Ram, como não poderia deixar de ser, também teve uma vida complicada, perdendo o irmão também para uma grave doença, com as memórias desses tempos difíceis voltando dentro da nave espacial enquanto delirava de febre por ter sido infectado pela mononucleose.
Com os dramas concluídos com sucesso, Away conquista também pela temática espacial junto à qualidade de atuação do elenco. Além de precisar demonstrar todas as emoções de seus personagens, em grande parte das cenas eles precisaram ficar pendurados por cordas para simular que estão em microgravidade, o que para quem não faz ideia da mais profunda realidade esse singelo detalhe passe por despercebido. Os fatos sobre uma viagem espacial, que consistem em sua maioria em problemas físicos, também não são deixados de lado.
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Away apresenta algumas curiosidades que muitos podem nunca terem ouvido falar, como uma condição que pode causar cegueira no tripulante apenas por estar neste ambiente inóspito aos humanos, ou ainda mostrando como os alimentos são armazenados na nave espacial, assim como a água, e como são tratadas as doenças naquela situação. Em cenas dentro e fora do veículo espacial, na sala de controle da NASA, tudo é muito bem feito e os efeitos especiais da profundidade do universo não decepcionam os leigos, mas a série está longe de ser uma referência de ficção científica.
A série é um drama de primeira que usa a temática espacial para inovar, mas sem deixar de entreter e saciar uma curiosidade, mesmo que de forma superficial, de como funciona esse mundo, suas tecnologias e relações entre os países. Ao contrário de outros grandes dramas, como Grey’s Anatomy, nenhuma das piores situações do mundo se tornam horríveis e provocam tristeza profunda. Os problemas estão ali, mas por mais que tenham a sua gravidade, não são explorados para “machucar” o personagem.
Por fim, Away pode não agradar aos fãs do gênero drama e nem aqueles aficionados por ficção científica, mas traz momentos de conforto para quem está do outro lado da tela. Com seus clichês bem redondos e explorados, há possivelmente em uma tentativa de mascará-los para tornar a série uma experiência completamente nova, mas se tratando de histórias que podem acontecer na vida real, com exceção à viagem até Marte (por enquanto), não há como escapar do óbvio.
Away está disponível em 10 episódios na Netflix.
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Fonte: Canaltech