Nasceu recentemente nos Estados Unidos o primeiro bebê fruto de um transplante uterino realizado fora de um ensaio clínico. Sua mãe, Mallory, nasceu com a síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser, que atrofia o útero e parte da vagina, impossibilitando a gravidez. Após um tratamento feito pela Universidade do Alabama em Birmingham (UAB), no entanto, ela conseguiu dar à luz, em maio deste ano.
- Como são feitos os transplantes de útero para gravidez?
- Será possível o transplante de útero para mulheres trans no futuro?
Bebês nascidos de mães com úteros transplantados não são exatamente uma novidade — desde o primeiro, na França, em 2014, nos EUA, em 2016, e no Brasil, em 2017, só os americanos já viram 21 nascimentos do tipo (de 19 mulheres) entre 2016 e 2021 —, mas o procedimento ainda é complexo e cheio de riscos.
O caráter experimental leva a cirugia a ter sido realizada, até hoje, majoritariamente em ensaios clínicos, testes da medicina para coletar dados e verificar a segurança do processo. No caso de Mallory, tudo foi realizado como um tratamento médico comum, com objetivo de ser ofertado a qualquer candidata a mãe no país. Atualmente, há apenas 4 clínicas nos EUA que ofertam transplantes de útero.
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Como é feito o transplante de útero?
Para saber mais sobre o transplante de útero, o Canaltech conversou com o Dr. Geraldo Caldeira, ginecologista e obstetra membro da FEBRASGO (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia). Segundo o médico, a cirurgia é grande e complexa, e, assim como todo transplante de órgão, envolve risco de lesão a outros tecidos do corpo e perda do útero. As chances de sucesso ainda são baixas e o custo é elevado — cerca de US$ 30 mil (em cotação atual, cerca de R$ 145 mil).
Há cinco etapas no procedimento, que, no entanto, podem variar, por exemplo, quando o órgão vem de uma doadora já falecida. Geralmente, tudo dura de 2 a 5 anos. Os passos, como no caso de Mallory, são:
- Geração de embriões — antes da cirurgia em si, embriões são cultivados in vitro, e medicamentos de fertilidade são administrados para que o ovário da paciente produza óvulos. Estes são removidos e fertilizados fora do corpo, congelados para uso posterior;
- Transplante — o útero é removido e colocado cirurgicamente na paciente, que recebe medicamentos imunossupressores para evitar rejeição. Eles se iniciam durante o transplante e durante todo o processo, incluindo a gravidez;
- Gravidez — meses após a cirurgia, um dos embriões é descongelado e colocado no útero. No caso de sucesso, a gravidez é monitorada de perto por um obstetra de risco, conhecido como especialista materno-fetal;
- Parto — a criança nasce com a quantidade de semanas o mais próximo possível do natural através de uma cesariana planejada. Caso a mãe deseje mais um filho, o útero é deixado no lugar, com os medicamentos imunossupressores ainda em uso. Seis meses após o nascimento, outra transferência de embrião já pode ser tentada novamente;
- Remoção do útero — após dar à luz, o útero transplantado é removido, e o uso de medicamentos é descontinuado.
Caldeira comenta que cirurgia ainda é rara especialmente porque fertilizações in vitro com útero de substituição são muito mais baratas e geralmente figuram como primeira opção para mães inférteis, já que o risco de rejeição no transplante de útero é alta, e os remédios tomados para evitar isso ainda geram o risco de falha na transferência de embrião.
O médico também diz que mães, irmãs e parentes, no geral, podem doar o útero para a paciente que recebe o transplante, mas em geral o órgão vem de doadoras que faleceram recentemente. Até o momento, fertilização in vitro com útero de substituição são alternativas mais seguras, e podem ser feitas em parentes de até 4º grau sem autorização do CRM (Conselho Regional de Medicina).
Embora sejam raras e, em geral, pouco viáveis hoje em dia, Caldeira acredita que as cirurgias de transplante de útero possam se tornar um procedimento comum no futuro, assim como outros transplantes de órgão, como o de fígado, se tornaram viáveis e rotineiros atualmente.
O caso de Mallory
Quando tinha 17 anos, a estadunidense recebeu a notícia de que não poderia ter filhos por conta da síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser. Marcada pela impossibilidade, ela teve uma filha com útero de substituição, e a gestante foi sua irmã.
Como uma nova gestação poderia colocar sua irmã em risco, no entanto, ela e o marido, Nick, decidiram entrar no programa de transplante da UAB. Feliz, ela contou ao site da universidade que nunca duvidou que o procedimento daria certo em todos os 18 meses de atendimento clínico necessários para dar à luz.
Emblemático, o caso da nova mãe marca mais uma parte do caminho até popularizar e tornar o procedimento mais seguro, barato e facilmente acessível a todos que desejam ter um filho biológico mesmo com problemas uterinos.
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Fonte: Canaltech