Nesta quarta-feira (13), os senadores da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) analisam a PEC 10/2022 que permite o processamento de plasma — uma parte do sangue humano — pelas iniciativas pública e privada, com a finalidade de desenvolver novas tecnologias e produzir medicamentos. Longe de ser um debate simples, o ponto é que a PEC do Plasma está envolvida em inúmeras polêmicas e pode modificar muita coisa no país.
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Hoje, apenas a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás), associada ao Ministério da Saúde, pode processar o plasma. Dessa forma, o que a PEC propõe, até o momento, é ampliar o mercado para esse tipo de atividade no país, permitindo que empresas concorram pela obtenção de plasma e do seu processamento. No modelo vigente, tudo o que é produzido nacionalmente é usado no Sistema Único de Saúde (SUS), ou seja, é voltado para todos os brasileiros. Quando falta, é o SUS que financia a compra para o uso interno.
Vale mencionar que, no Brasil, é comum existir essa forma de “reserva de mercado” para atividades ligadas à saúde. Por exemplo, o país é conhecido por ter o maior sistema público de doações de órgãos, onde a maioria dos transplantes é feita gratuitamente no SUS. Inclusive, foi este sistema que permitiu, em tão pouco tempo, o transplante de coração do apresentador de TV Fausto Silva, o Faustão.
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Entenda a função do plasma na saúde
Antes de seguir, vale mencionar que o plasma sanguíneo é a parte líquida do sangue — cerca de 55% do volume total. Nesse líquido amarelado, está incluída muita água, mas também sais, proteínas, hormônios e nutrientes. No entanto, não existem células nesse material.
Na indústria farmacêutica, o plasma é usado no desenvolvimento de medicamentos (hemoderivados) para muitas doenças, como complicações renais, câncer ou mesmo hemofilia. De forma geral, essa parte do sangue é a base para os seguintes ingredientes ou mesmo medicamentos:
- Fator VIII;
- Fator IX;
- Complexo protrombínico;
- Fator de von Willebrand;
- Albumina;
- Imunoglobulinas.
Como já explicado, apenas a Hemobrás é autorizada a processar esses componentes e transformá-los em medicamentos. Quando a produção nacional não basta, é preciso importar. Por exemplo, o país costuma comprar de 1,7 a 2 toneladas de imunoglobulina por ano.
O que é a PEC do Plasma?
Após as últimas alterações no texto, a PEC do Plasma passa a propor que a Hemobrás não seja a única empresa a poder desenvolver pesquisas e medicamentos a partir do plasma. Além disso, indica a possibilidade de comercialização do plasma entre laboratórios privados, incluindo a venda para fora do Brasil.
Em uma versão anterior, chegou a ser proposto que as pessoas pudessem vender do plasma, ou seja, elas deixaram de ser doadoras, quando entra na questão as empresas privadas. Para evitar que esse ponto — um dos mais polêmicos — paralise as discussões, a ideia é discutir a coleta remunerada em uma futura lei. Afinal, o ponto pode desestimular as doações sem retorno financeiro, o que terá severos impactos na saúde.
Por que a venda de sangue é proibida no Brasil?
Lembrando da história brasileira, vale destacar que, no país, a regulação da hemoterapia só ocorreu na década de 80, durante a fase mais crítica da pandemia do HIV — vírus que pode ser transmitido através do sangue contaminado. Para reduzir o risco desse tipo de transmissão foi proposto o fim da coleta remunerada de plasma, o que vale desde então é a doação de sangue, sem qualquer benefício comerical envolvido.
A questão se tornou um consenso entre médicos, especialistas e políticos ao ponto de entrar na Constituição de 1988. No artigo 199, está expressamente proibido a comercialização de tecidos, órgãos e substâncias humanas, o que inclui o sangue e também o plasma.
Diferente do Brasil, nos Estados Unidos, a venda de sangue, sêmen e óvulos pode ocorrer livremente — existe até um mercado aquecido para esse tipo de comércio. De forma ainda mais distante da realidade brasileira, o Irã é o único país a permitir a venda regulada de rins.
E se a PEC do plasma for aprovada?
O argumento central dos defensores da PEC do Plasma é de que o sangue doado é subutilizado no Brasil, sendo que milhares de litros de plasma são descartados todos os anos. Olhando por esse ângulo, a aprovação da emenda constitucional representaria uma melhor aproveitamento deste tipo de material. Só que, até o momento, a proposta não garante que os novos medicamentos sejam usados por brasileiros, dentro do SUS, incluindo os de baixa renda, por exemplo.
Por outro lado, o argumento de que sobra plasma “bom” não é defendido por especialistas em saúde. É o que explicam Lenir Santos, presidente do Instituto de Direito Sanitário Aplicado (IDISA), e Cármino Antonio de Souza, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em artigo para a plataforma The Conversation.
“A Hemobrás tem capacidade instalada para processar até 650 mil litros de plasma. Hoje, o Brasil capta cerca de 580 mil litros de plasma (público e privado), mas apenas 1/3 desse plasma está qualificado industrialmente”, afirma a dupla de especialistas. Então, se há desperdício, é porque a coleta desse material ainda não é adequada para o processamento industrial.
Neste ponto, os pesquisadores defendem que “é necessário que não se ‘venda’ sangue ou plasma [no país], mas, sim, que haja investimento público na qualificação dos hemocentros e serviços de hemoterapia públicos e privados”. Isso irá garantir a autonomia do sistema brasileiro no tratamento de doenças que usam remédios constituídos a partir do plasma.
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Fonte: Canaltech