Se trabalhar com arte no Brasil nunca foi uma opção rentável, fazer isso durante uma pandemia, ainda mais no governo Bolsonaro é, no mínimo, angustiante. As páginas da história da produção cultural no Brasil não param de ser reescritas, desde a criação da falácia de que qualquer profissional das artes com algum posicionamento crítico estaria na verdade sendo motivado por benefícios econômicos de uma lei de renúncia fiscal, a sociedade civil se tornou apática às demandas da área.
Recentemente o edital do PROAC (Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo) atingiu a margem histórica de mais 45.000 inscritos numa só edição. Existem algumas teorias possíveis que expliquem essa grande quantidade de CPFs e CNPJs pleiteando apoio financeiros a projetos culturais…
A falta de perspectiva de retorno dos ingressos presenciais? Provável. A crise econômica que já aponta para diminuição dos lucros e uma possível estiagem nas empresas que fazem uso da lei de incentivo? Talvez. Ao que tudo indica, nunca a política pública se fez tão presente no dia-dia dos pequenos tanto quanto dos grandes artistas e produtores. Algumas dessas pessoas nunca haviam tido qualquer contato com editais e descobriram através da emergência essa “nova velha forma de fazer cultura.
Em junho de 2020 a Lei Aldir Blanc foi aprovada, batizada com o nome do compositor carioca que faleceu em maio de 2020 vítima de covid19, a lei previa auxílio financeiro emergencial de 3 bilhões ao setor, provenientes do Fundo Nacional de Cultura. Nunca antes estados e municípios tiveram acesso a recursos públicos destinados a cultura de forma tão bem distribuída e claro, em valores tão altos.
O que deveria ser um marco, e de certa forma foi, acabou colocando em destaque as desigualdades e a fragilidade da pauta fora do famoso eixo Rio-São/Paulo.
Alguns municípios simplesmente devolveram as verbas recebidas por não terem estrutura interna para desenvolver editais e fazer a distribuição dos recursos. A própria Secretaria de Cultura da Cidade de São Paulo cometeu alguns erros na forma de repasse das verbas, acarretando problemáticas expostas na declaração de imposto de renda.
Claro que deve-se levar em consideração o caráter emergencial e alteração das relações provocadas pela pandemia, mas é indiscutível que a política pública está completamente despreparada para tratar a Cultura como uma pauta séria, que seu caráter gerador de renda sempre foi apenas associado a grandes eventos como micaretas e rodeios, muito embora existam dados e levantamentos que comprovem o quanto as vertentes menos comerciais também tenham retorno econômico, qualquer investimento na área foi sempre tratado como perfumaria para qualquer gestão.
Embora o futuro da cultura como pauta pública esteja evidentemente ameaçado, assim como a democracia e a diversidade, é possível extrair uma pequena dose de otimismo. Talvez o número estrondoso de inscrições no PROAC seja a marca da resistência e um recado de empoderamento importante. Quantos mais artistas e produtores entenderem que o espaço de pleito de recursos também é espaço de questionamento, de fala e de luta, mais próximos da verdadeira ampliação dessas medidas estaremos. Talvez o que ainda faltava e, de forma ampla, ainda falte, é um processo de (re)educação para que uma fatia da classe entenda que defender o fazer cultural está muito além do que defender existência de artistas, mas é valer direitos básicos e constitucionais.
Fonte: Observatório do Teatro