O paulistano Grupo XIX de teatro pretendia celebrar seus 19 anos de trajetória artística em 2020, com a produção de uma Mostra inédita na qual remontaria encenações dos oito títulos de seu repertório.
Entretanto, quis a pandemia do Coronavírus que o grupo celebrasse 19 anos de trajetória no momento em que completa duas décadas de carreira, contadas a partir da montagem de Hysteria, espetáculo com dramaturgia coletiva e dirigido por Luiz Fernando Marques que, em 2001, abocanhou nada menos do que cinco prêmios, além de uma indicação ao Shell.
É justamente com este título seminal que o grupo, formado por Janaina Leite, Juliana Sanches, Luiz Fernando Marques, Ronaldo Serruya, Rodolfo Amorim e Paulo Celestino, estreia no dia 16 de outubro a Mostra que tem como mote principal a desconstrução e o olhar crítico para estes oito títulos desenvolvidos ao longo de 20 anos.
Para tanto, o grupo convidou nomes como a crítica teatral Daniele Avila Small (Questão de Crítica), as jornalistas Maria Luísa Barsanelli e Carolina Braga, a cineasta Tata amaral, o jornalista Valmir Santos e o cineasta Evaldo Mocarzel, que assistiram às primeiras montagens e pretendem discutir os espetáculos à luz de temas caros à sociedade moderna, desde a representatividade em cena, até temas como a transfobia e o machismo.
Ao longo das conversas com o público, as sessões serão acompanhadas pelo professor e crítico teatral Wellington Duarte, que, ao final da Mostra, produzirá um texto colocando o trabalho do grupo em perspectiva frente aos anos de trajetória.
Ao final da Mostra, que se estende até o dia 05 de novembro, com a exibição de títulos como Hygiene, Arrufos, Marcha Para Zenturo (em parceria com o Grupo Espanca), Nada Aconteceu, Tudo Acontece e Tudo Está Acontecendo, Estrada do Sul (em parceria com o Teatro Dell’Argine), Teorema 21 e o infantil Hoje o Escuro vai Atrasar para que Possamos Conversar, a Mostra realiza o evento 19 Anos em 19 Horas, com a exibição em sequência de todas as obras.
As transmissões acontecem via Zoom e os ingressos são gratuitos. Confira abaixo a programação completa, com sinopse dos espetáculos:
Hysteria
Estreou em 2001, em criação coletiva com direção de Luiz Fernando Marques. Ganhou 5 prêmios, incluindo o de revelação teatral pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), além de ter sido indicada para o Prêmio Shell de Teatro.
A história se passa no final do século 19, nas dependências de um hospício feminino. Cinco personagens internadas como histéricas revelam seus desvios e contradições – reflexos diretos de uma sociedade em transição, na qual os valores burgueses tentavam adequar a mulher a um novo pacto social. Cenicamente, abdica-se do palco e dos recursos de sonoplastia e iluminação, optando-se por um espaço não convencional, onde a plateia masculina é separada da feminina que é convidada a interagir com as atrizes. Esta interação, aliada a textos previamente elaborados, gera uma dramaturgia híbrida e única a cada apresentação.
Hygiene
Estreou em 2005, encenada à luz do dia, nos prédios históricos da Vila Operária Maria Zélia. Com criação coletiva e direção de Luiz Fernando Marques, é baseada em uma pesquisa sobre o processo de higienização urbana no Brasil do final do século 19, onde um grande contingente de culturas e ideias dividem o mesmo teto – o cortiço. Desse caldeirão de misturas surgem os embriões de importantes manifestações de nossa identidade, assim como as desigualdades sociais que marcam profundamente os nossos dilemas atuais.
Por esta peça o grupo foi indicado ao prêmio Shell de Teatro e ao Prêmio Bravo! Prime de Cultura como um dos três melhores espetáculos do ano e foi premiado como melhor espetáculo no Prêmio Qualidade Brasil 2005 – São Paulo.
Arrufos
Criação coletiva com direção de Luiz Fernando Marques, é resultado de pesquisa em torno da história do amor privado no Brasil, o amor burguês, socialmente aceito, e seus desdobramentos até os dias atuais. O espetáculo propõe, junto com a plateia, uma reflexão sobre o desejo de amar e ser amado. Arrufo significa briga sem importância entre pessoas que se amam.
Toda a iluminação vem de 50 abajures que o espectador apaga no início do espetáculo e, aos poucos, voltam a ser acesos pelos atores. A direção de arte de Renato Bolelli Rebouças (vencedor do Prêmio Shell em 2008 por este espetáculo), acomoda o público em arquibancadas formando uma espécie de “parede de alcova”. Sentados em almofadas, a plateia é convidada a sentar em dupla, mesmo quando não o são promovendo assim o encontro.
Marcha para Zenturo
Parceria artística entre o Grupo XIX e o Espanca!, de Belo Horizonte (MG). Com texto de Grace Passô e direção de Luiz Fernando Marques, os dois grupos se uniram para a concepção de um trabalho onde o exercício da troca, o olhar sobre o outro, a atração do desconhecido, se revelam como força não só para a realização de um projeto de arte, mas sobretudo para a possibilidade de pensar o homem e as relações que ele estabelece na diferença e na igualdade.
O espetáculo traz uma reflexão sobre o processo vertiginoso do tempo. A história se passa no réveillon de 2.441. Enquanto uma multidão se manifesta nas ruas gritando por algo que não se sabe o que é, uma turma de amigos se reencontra para celebrar o ano novo. Este encontro detona lembranças e reflexões sobre como o tempo transcorreu em suas vidas. O espetáculo estreou em 2010 e foi indicado ao prêmio Usiminas/Sinparc-MG nas categorias texto, luz, cenário e figurino.
Nada Aconteceu, Tudo Acontece, Tudo Está Acontecendo
Estreou no centenário de Nelson Rodrigues, em 2013, quando o XIX criou uma livre versão para Vestido de Noiva, em parceria com o dramaturgo Alexandre Dal Farra. Na releitura dirigida por Luiz Fernando Marques e Janaina Leite, o público acompanha a personagem Alaíde nas duas horas que precedem a sua cerimônia de casamento com Pedro. A sede do grupo, na Vila Maria Zélia, foi transformada em um salão de festas para receber o casamento.
Inseridos dramaturgicamente como convidados da cerimônia, os espectadores assistem às cenas sentados à mesa da festa, tomando vinho e petiscando salgadinhos. Num surto onde realidade e ficção se confundem, vemos emergir um universo de recalques que, aponta, na verdade, para uma rigidez e um arcaísmo que é a imagem do próprio Brasil.
Estrada do Sul
Parceria com o Teatro Dell’Argine, da Itália, a partir da obra A Autoestrada do Sul, de Julio Cortázar (1914-1984), com direção e dramaturgia de Pietro Floridia. Em uma estrada que leva a uma grande cidade, em um retorno de um domingo de férias, por circunstâncias misteriosas que ninguém nunca conseguirá esclarecer, se cria um engarrafamento.
O espetáculo acontece na rua com 23 atores ocupando 18 carros. O público assiste e participa do espetáculo dividindo os carros com os personagens presos nesse engarrafamento. A peça começa dentro dos carros, onde os atores, contam suas histórias, comentam a situação, interagem com o público-passageiro. Algumas cenas acontecem entre os carros, estabelecendo relações entre os passageiros para decidir o que fazer diante de problemas como a alimentação, o sono, os atritos, as possíveis alternativas na expectativa de sair daquele engarrafamento. Cada sessão é única e incomparável para cada espectador.
Teorema 21
Texto do dramaturgo Alexandre Dal Farra livremente inspirado na obra Teorema, do cineasta italiano Pier Paolo Pasolini (1922-1975). Com direção de Luiz Fernando Marques e Janaina Leite, a peça gira em torno de uma família que retorna ao seu antigo lar. Ao buscar novas possibilidades de existência nesse ambiente antigo, recriam as suas relações e experimentam novas formas de contato. Tudo parece estável. Mais do que isso, estagnado. A chegada de um estrangeiro ameaça transformar a estrutura dessa família.
A montagem é encenada ao entardecer na antiga escola de meninas, hoje desativada, localizada dentro da Vila Maria Zélia, um lugar quase sem teto, com as paredes em ruínas, em meio aos escombros. Ao entrar no espaço e ocupar as cadeiras giratórias dispostas aleatoriamente, o público é inserido na sala de estar e pode girar as cadeiras para escolher o melhor ângulo para cada cena.
Hoje O Escuro Vai Atrasar Para Que Possamos Conversar
Primeiro espetáculo infantil do XIX. Com dramaturgia de Ronaldo Serruya e direção de Luiz Fernando Marques e Rodolfo Amorim, o processo criativo para montagem foi inspirado pelo romance De Repente, Nas Profundezas do Bosque, do escritor israelense Amós Oz (1939-2018). A encenação apresenta ao público infantil temas delicados como os efeitos da discriminação e do tratamento indesejado, o bullying e a consciência de que o “outro” também tem medos, fragilidades e inseguranças.
O espetáculo estreou em 2018, no Centro Cultural Banco do Brasil – São Paulo, como uma experiência itinerante, numa relação direta com o espaço arquitetônico. A plateia era convidada para um passeio por dentro do prédio histórico, saindo da sala do teatro, passando pelo palco, pelos urdimentos, pelas coxias. Nessa experiência teatral imersiva, o cenário se transformou numa instalação inspirada no trabalho da artista mineira Lygia Clark, usando estímulos com o escuro, claro, barulhos e diferentes texturas para provocar os sentidos da plateia.
Datas:
Dia 16 de agosto – Sábado
16h – Hysteria + conversa com a crítica teatral Daniele Avila Small (Questão de Crítica)
19h – Hygiene + depoimentos sobre a criação
21h – Arrufos + documentário: O Filme de Amor da Minha Vida (direção Paulo Celestino)
Dia 17 de outubro – Domingo
16h – Hygiene + conversa com o ator e diretor Eugênio Lima
19h – Hysteria + depoimentos sobre a criação
21h – Arrufos + depoimentos sobre a criação
Dia 18 de outubro – Segunda-feira
19h – Hysteria + documentário Hysteria (direção Ava Rocha e Evaldo Mocarzel)
Dia 19 de outubro, terça-feira
19h – Arrufos + conversa com a jornalista Maria Luiza Barsanelli
Dia 20 de outubro, quarta-feira
19h – Hygiene + documentário Hygiene no Acre (direção Evaldo Mocarzel)
Dia 21 outubro, quinta-feira
19h – desmontagem Marcha para Zenturo + depoimentos sobre a criação com participação do Grupo XIX e Grupo Espanca!
Dia 22 de outubro, sexta-feira
19h – Marcha para Zenturo + minidoc sobre a peça + conversa com Carolina Braga (Cultradoria)
Dia 23 de outubro, sábado
16h – Hysteria + minidoc sobre a peça
19h – Hygiene + minidoc sobre a peça
21h – Arrufos + minidoc sobre a peça
Dia 24 de outubro, domingo
19h – minidoc sobre a peça Nada Aconteceu, Tudo Acontece, Tudo Está Acontecendo + conversa com crítica teatral e curadora Dodi Leal
Dia 25 de outubro, segunda-feira
19h – minidoc sobre a peça Nada Aconteceu, Tudo Acontece, Tudo Está Acontecendo + depoimentos sobre a criação
Dia 26 de outubro, terça-feira
19h – minidoc Estrada do Sul + conversa com cineasta Tata Amaral
Dia 27 de outubro, quarta-feira
21h – minidoc Estrada do Sul + depoimentos sobre a criação
Dia 28 de outubro, quinta-feira
16h – Hoje O Escuro Vai Atrasar Para Que Possamos Conversar + depoimentos sobre a criação
Dia 29 de outubro, sexta-feira
16h – Hoje O Escuro Vai Atrasar Para Que Possamos Conversar + minidoc sobre a peça
Dia 30 de outubro, sábado
16h – Hoje O Escuro Vai Atrasar Para Que Possamos Conversar + depoimentos sobre a criação
19h – Teorema 21 + conversa com público
Dia 31 de outubro, domingo
16h – Hoje O Escuro Vai Atrasar Para Que Possamos Conversar + conversa com Valmir Santos (Teatro Jornal)
19h – Teorema 21 + vídeo de conversa com público
Dia 1º de novembro, segunda-feira
21h – Teorema 21 + minidoc
Dia 2 de novembro, terça-feira
21h – Teorema 21 + conversa com cineasta Evaldo Mocarzel
Dia 5 de novembro, sexta-feira
19 anos em 19 horas
19h – conversa com Wellington Andrade + exibição das peças da mostra – on demand
Fonte: Observatório do Teatro