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A vida escolar de cerca de 47 milhões de estudantes do ensino fundamental e do ensino médio mudou radicalmente no ano letivo que acabou de iniciar. Conforme a Lei nº 15.100/2025, eles estão proibidos de usar “aparelhos eletrônicos portáteis pessoais durante a aula, o recreio ou intervalos entre as aulas, para todas as etapas da educação básica”.
Para Danilo Cabral, 16 anos, estudante do 2º ano do ensino médio do Colégio Galois em Brasília, a medida exige mudança de comportamento. Vai alterar, por exemplo, a comunicação com a mãe ou com o pai. “Às vezes, no meio da manhã, eu decido que vou almoçar na escola, e fica um pouco mais difícil avisar aos meus pais.”
Apesar do empecilho, Danilo acha que “é só uma questão de adaptação mesmo” e que vai ser “muito benéfico”, porque “para prestar atenção nas aulas, a gente não pode mexer no celular”, admite cerca de dez dias depois da volta às aulas.
Joana Chiaretto, da mesma turma que Danilo e também com 16 anos, percebe “mudanças muito positivas” no pátio da escola. “Antes, a gente via todo mundo no próprio celular. Sem conversar, nem nada, os grupinhos separados. Agora a gente vê um grupão de meninas jogando carta. A gente vê as pessoas conversando mais. Aqui na escola todo mundo está trazendo jogos”, conta com entusiasmo.
Para ela, “as pessoas são muito viciadas no celular.” E, entre os mais jovens, “é muito difícil. Chega a dar aquela angústia, de querer pegar o celular, de ligar pra alguém ou mandar uma mensagem.”
Sem fotos do quadro
A visão crítica dos dois adolescentes sobre o uso de celular no colégio e os benefícios da proibição são compartilhados por seus professores. “Melhorou muito no quesito entrosamento dos alunos. Eles têm que conviver juntos de novo”, ressalta Victor Maciel, professor de biologia do ensino médio.
O professor observa que, sem o celular, “os alunos não tiram mais fotos do quadro” e, mais atentos, perguntam mais, tiram dúvidas e aprendem mais. “Eles têm que estar mais focados agora. A aula fica mais interessante para eles. Porque sabem que não vão ter tanta facilidade depois para conseguir aquele conteúdo.”
Patrícia Belezia, coordenadora do ensino médio no Galois, também apoia a decisão. Ela se recorda de que, em ano anterior, a escola flagrou alunos jogando no celular inclusive em plataforma de apostas, “muitos viciados no jogo do tigrinho e em pôquer eletrônico. Eles faziam apostas entre eles.” Como o exemplo é uma forma de educar, a coordenadora destaca que a restrição aos celulares na escola é para todos. Se estende aos funcionários e aos professores.
Dulcineia Marques, sócia fundadora do colégio, acha que “ganhou um presentão” com a lei aprovada no Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da República. Para ela, o aparelho celular pode ser um marcador de desigualdades sociais em função do modelo e do pacote de dados.
Ao seu ver, essas distinções distorcem o espírito das escolas que exigem o uso de uniforme igual para todos, que tem um propósito. “É o jeito de educar esses meninos. É assim para igualar as crianças e adolescentes. Para não trazer para dentro da escola o poder aquisitivo que os diferenciam pelos tênis e marcas de roupa.”
Projeto pedagógico
A escola de Dulcineia Marques, no Plano Piloto, atende a 1.198 meninos e meninas das quatro séries finais do ensino fundamental e dos três anos do ensino médio. A 32 quilômetros dali, em Ceilândia, no Centro Educacional n° 11, o diretor Francisco Gadelha atende a 1.512 estudantes dessas séries e também homens e mulheres de 18 a 60 anos do ensino de jovens e adultos (EJA). O diretor também faz elogios à proibição dos celulares.
“No começo, eu era contrário à lei, por entender que o celular é uma ferramenta tecnológica. Mas agora estou observando em poucos dias como está sendo benéfico inclusive no comportamento. A gente está tendo menos brigas, menos situações de bullying.”
Gadelha está aproveitando a entrada em vigor da Lei nº 15.100/2025 para provocar a reflexão dos alunos e dos professores. Na preparação do ano letivo, a escola adotou o livro “A geração ansiosa: como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais”, do psicólogo social Jonathan Haidt, como referência para a criação de um projeto pedagógico em andamento.
Segundo ele, os três primeiros dias de aula no período diurno foram “cansativos” porque teve de guardar na escola 15 celulares que os alunos trouxeram de casa. Os aparelhos foram devolvidos aos responsáveis pelos estudantes. Apesar da escola retirar o telefone dos alunos, apenas um pai reclamou. “Em regra, os pais estão gostando muito”, avalia o diretor.
Além da direção da escola durante o dia, Francisco Gadelha ainda leciona para adultos no período noturno. De acordo com ele, a proibição do celular “é mais difícil no EJA, porque os adultos estão mais viciados do que as crianças.” Com eles, a escola propõe um termo colaborativo para manter os aparelhos longe das salas de aula.”
Uso consciente
Para Luiz Fernando Dimarzio, analista pedagógico da Ctrl+Play, uma escola de tecnologia para crianças e adolescentes em cidades do Estado de São Paulo, a lei que proíbe celulares é “polêmica”, pois “a questão do permitir ou proibir é acabar indo muito nos extremos.”
Dimarzio opina que é preciso buscar “como que a gente pode utilizar isso de forma saudável, e ensinar o uso consciente da coisa. Eu fico pensando, será que, de repente, definir momentos específicos para uso? Para uma pesquisa, tem inúmeros aplicativos educacionais, né? Será que, de repente, definir momentos específicos para o uso não seria mais interessante?”,
Em suas indagações, o analista pedagógico lembra que a lei faculta o uso de aparelhos eletrônicos em sala de aula “para fins estritamente pedagógicos ou didáticos, conforme orientação dos profissionais de educação”.
Victor Freitas Vicente, coordenador de educação do Instituto Felipe Neto, avalia que havia um clamor no país pela adoção da lei contra os celulares nas escolas “e que a proibição pode ser um passo importante no contexto de ambientes digitais cada vez mais tóxicos.”
Ele, no entanto, pondera que “a escola não é um jardim murado. Ela é um polo conectado com os desafios da sociedade” e, nesse sentido, “precisa preparar as novas gerações para os desafios que as tecnologias digitais estão colocando, não só em relação ao comportamento, mas em relação a uma nova ordem econômica, a inteligência artificial.”
O coordenador também defende os resultados da proibição do celular sejam avaliados em pesquisas sobre aprendizagem, e que seja implantada a Política Nacional de Atenção Psicossocial nas comunidades escolares, que ainda não têm regulamentação definindo as regras práticas para adoção nos diferentes sistemas de educação brasileiros. Além disso, ele é a favor de que o Congresso Nacional retome a elaboração da lei sobre funcionamento das redes sociais.
Redes sociais
Thessa Guimarães, presidenta do Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP-DF) considera “fundamental tirar da gaveta projetos de lei que contribuam para a regulação das redes sociais, compreendendo que hoje a nossa vida atravessa as redes sociais”. Ela ressalta que, por causa das redes sociais, “um dispositivo eletrônico é uma porta aberta a toda a produção humana que existe, inclusive a produção de discursos de ódio, a produção de difusão de métodos de auto-lesão e de suicídio.”
Raquel Guzzo, pesquisadora e professora titular de Psicologia na PUC de Campinas, considera que as redes sociais, acessadas principalmente por meio de celulares, “têm um impacto significativo na autoestima e na percepção de si mesmos entre adolescentes, que podem se sentir pressionados a corresponder a padrões irreais de comportamento e estética.”
Ela lembra que as redes sociais “são projetadas para maximizar o tempo que os usuários passam nelas, utilizando algoritmos que promovem o engajamento contínuo.” No entanto, “outros recursos do celular, como jogos e aplicativos, também podem contribuir para a dependência, especialmente quando usados excessivamente.”
Linguagem comprometida
A psicopedagoga Gabriela de Martin, especialista em saúde mental pela UFRJ, avalia que a linguagem utilizada pelos mais jovens e os recursos para a escrita nos celulares também são comprometedores da linguagem e podem gerar barreiras quando forem buscar trabalho.
Gabriela de Martin tem experiência com a colocação profissional de jovens aprendizes (14 a 18 anos) no mercado de trabalho, mas enfrenta, no entanto, “imensa dificuldade, porque os meninos nessa faixa etária estão analfabetos.”
“Temos uma linguagem usada nos aplicativos de mensagem que não têm palavras por inteiro, cheia de erros de pontuação. Muitas vezes é o próprio teclado que vai criando o texto. Eu já vi muita gente que chega com 16, 17 anos sem capacidade de formular uma resposta”, lamenta Gabriela.
Totalmente favorável à proibição dos celulares nas escolas, a presidenta do CRP-DF, Thessa Guimarães, alerta para os riscos de crise de abstinência pela ausência do celular, com efeitos físicos e psíquicos, que pode acontecer “na ausência de qualquer droga, lícita ou ilícita, na ausência de um companheiro amado a partir de uma separação, ou na ausência de um dispositivo que se tornou a centralidade da vida daquela criança e daquele adolescente.”
Em caso de síndrome, Thessa Guimarães recomenda apoio familiar e busca de profissional qualificado para atendimento psicológico e “naturalmente, a substituição progressiva da centralidade daquele dispositivo por mais comunhão familiar e participação em atividades paradidáticas, extracurriculares.”
“É preciso povoar a vida dessa criança e desse adolescente de novos interesses e de novas aberturas, para que ela possa se recuperar do vício e explorar outras potencialidades.”
Gilberto Costa , .
Fonte: Agencia brasil EBC..
Sun, 16 Feb 2025 10:43:00 -0300