Por causa do novo coronavírus (SARS-CoV-2), as atividades não essenciais do Brasil inteiro foram praticamente paralisadas no final de março. Inclusive o futebol, que, só em julho, com o relaxamento da quarentena da COVID-19 no país, pôde retomar treinos e alguns campeonatos estaduais. Desde o segundo sábado de agosto (8), os times brasileiros disputam o Campeonato Brasileiro.
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Sem público nos estádios, a liberação dos jogos pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) impõe um protocolo de segurança que prevê testagem periódica de atletas e demais profissionais, com exames do tipo PCR — coleta de amostras de mucosa nasal e saliva —, medidas de distanciamento durante atividades individuais e uso de máscaras pela equipe técnica. Estão proibidas também a troca de camisa entre atletas e a tradicional aglomeração nas comemorações de gols, por exemplo, além de que é recomendado o uso de máscaras em entrevistas, depois do jogo, e durante a partida para atletas no banco de reservas e comissão técnica.
Mesmo com as medidas, na quarta-feira passada (19), a CBF divulgou que 116 jogadores testaram positivo para a COVID-19 e foram afastados de jogos do Brasileirão, isso somando as séries A, B e C. Independente do número de contaminados, o secretário-geral da entidade, Walter Feldman, alegou que o retorno das partidas é “positivo” e que há “muita segurança para prosseguir”.
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Polêmicas no Brasileirão
Em um dos primeiros jogos do campeonato, a disputa entre Goiás e São Paulo, o clube goiano precisou refazer os testes em cima da hora, porque o laboratório responsável e selecionado pela CBF, armazenou as amostras para o exame de forma inadequada. Com o resultado inicial, 10 dos 23 atletas testaram positivos, e aí o jogo precisou ser adiado.
Sem saber dos casos, os atletas do São Paulo chegaram a entrar no gramado até que a equipe de arbitragem informasse que não haveria partida. Por ora, a disputa que aconteceria no segundo domingo do mês (9) ainda não foi remarcada.
O São Paulo manifesta apoio e informa que está de acordo com a decisão de adiamento do jogo deste domingo, em Goiânia. Não há nada mais importante, neste momento, do que preservar a saúde e refletir à sociedade a importância dos cuidados.
— São Paulo FC (@SaoPauloFC) August 9, 2020
No dia 12 de agosto, a polêmica envolveu o tempo de duração da infecção causada pelo novo coronavírus no organismo humano. Isso porque quatro jogadores do Atlético-GO tinham testado positivo para a COVID-19, em exame realizado no dia 9, mas foram liberados para o jogo contra o Flamengo. Como justificativa, o time alegou que os profissionais não transmitiam mais COVID-19.
Quem liberou a disputa, ao acatar um recurso, foi a comissão médica da CBF, seguindo uma nova diretriz, baseada nas recomendações do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) — agência de saúde dos EUA similar à Anvisa — e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo o texto, uma pessoa com PCR positivo, em teste realizado há mais de dez dias e assintomática durante esse tempo, não transmite mais o coronavírus, mesmo que o último PCR seja positivo.
O primeiro aquecimento do Brasileirão! 🔴⚫🅰️🇧🇷#BRACG #RespeitaAsCores pic.twitter.com/kn9o3DFrsa
— Atlético Clube Goianiense (@ACGOficial) August 12, 2020
Infectologista responde
Para entender sobre os riscos de contato entre os atletas tanto fora quanto dentro dos estádios, o Canaltech conversou com o infectologista Renato Grinbaum, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia e doutor em doenças infecciosos e parasitárias pela USP.
“Sempre há transmissão por partículas expelidas pela respiração, quando existe proximidade entre as pessoas”, explica Grinbaum. Nesse ponto, o especialista é taxativo sobre os riscos de que uma partida ocorra e haja algum jogador donte, mesmo que assintomático. Além disso, ele lembra que “não há como se proteger 100% no meio de uma partida, afinal futebol requer proximidade e contato”. É por isso que os testes antes dos jogos são tão importantes para a segurança de todos os profissionais envolvidos.
“Fora do campo, é preciso usar máscaras, distanciar-se das pessoas e higienizar as mãos”, comenta o consultor, lembrando que essas medidas de higiene são fundamentais para a proteção das equipes envolvidas, sendo que o contato será inevitável em uma partida. Quanto ao tempo que uma pessoa diagnosticada com a COVID-19 possa retomar sua vida, sem risco de transmitir a doença, o infectologista explica: “Em geral, usamos 14 dias como tempo, mas a informação [da comissão da CBF de dez dias] procede”.
Questões jurídicas
Quanto às questões legais que envolvem a retomada dos jogos e possíveis implicações, o Canaltech conversou com o advogado e vice-presidente da Comissão Nacional de Direito Desportivo, Mauricio Corrêa da Veiga. “A partir do momento em que protocolos de segurança foram estabelecidos entre CBF e órgãos estatais de saúde, o atleta não pode se recusar a jogar, tendo em vista que tal obrigação é uma das atividades essenciais da prática desportiva e prevista no art. 35 da Lei Pelé e o seu descumprimento pode gerar sanções disciplinares”, pontua o advogado sobre a obrigatoriedade da participação.
“Porém, na hipótese de os cumprimentos dos protocolos não serem respeitados, o jogador poderia se recusar e inclusive pleitear a rescisão indireta do seu contrato de trabalho perante a Justiça do Trabalho”, contrapõe Veiga, caso não sejam aplicadas as normas sanitárias. Entretanto, os jogos só retomaram após a definição dos protocolos de segurança, desenvolvidos pela equipe médica da CBF e as autoridades locais de saúde pública, “razão pela qual é improvável que os jogos ocorram sem a segurança dos atletas”, complementa.
Além disso, o advogado comenta sobre o que um jogador poderia fazer no caso de adoecer e acreditar que isso aconteceu durante uma partida, por exemplo: “o fato de contrair o vírus não quer dizer que este seja reconhecido como doença do trabalho, pois para isso o empregado tem que fazer esta prova, como demonstrar que o clube não adotou medidas de segurança, que não observou protocolos médicos, ou que foi negligente ou omisso no tocante as medidas de prevenção”.
Independente disso, casos da COVID-19 são relatados entre as equipes, medidas são tomadas e há adiamento de partidas. “Se um dos jogadores testar positivo para o vírus, ele deve ser imediatamente afastado. Portanto, não há que se falar em risco de contágio. Me parece ser um argumento desprovido de fundamento jurídico para se pretender o adiamento da partida. Situação distinta seria se grande parte do time estivesse contaminada a ponto de prejudicar a escalação, daí me parece um argumento mais robusto para o adiamento”, explica Veiga.
Pedido por mais mudanças
Diante dos acontecimentos, o Sindicato de Atletas de São Paulo (Sapesp) enviou um ofício à CBF, no dia 12 de agosto, solicitando mudanças nos protocolos sanitários do campeonato. “O formato da CBF precisa de ajustes. A gente não pode permitir a continuidade da competição em detrimento às vidas, que estão sendo expostas. Ratificando que a gente quer as competições realizadas, sabemos que a questão financeira é importante a clubes e atletas, mas, se perdermos uma vida, não terá dinheiro que pague”, afirmou o presidente do sindicato, Rinaldo Martorelli.
Entre as sugestões, o sindicato menciona a estratégia do Campeonato Alemão, que “teve três sessões de testes na semana antes da reestreia e obrigava um isolamento das delegações por até sete dias antes de cada partida”, e a bolha adotada pela NBA, liga norte-americana de basquete, isolando os atletas na Disney. Segundo o documento, essas medidas poderiam ser adaptadas para a realidade brasileira.
Diante das polêmicas envolvendo a saúde dos jogadores e da dificuldade logística em preservar jogadores que viajam o Brasil para as partidas — e estão em constante risco de contágio —, o time vencedor do Campeonato Brasileiro só será corado em fevereiro de 2021. Isso caso os planos da CBF não precisem ser revistos ao longo das rodadas.
Outros campeonatos no mundo
Pelo mundo, também é generalizado o desejo do futebol superar a pandemia da COVID-19 e muitos campeonatos já retomaram ou estão terminando as temporadas interrompidas, com as adaptações necessárias, principalmente na Europa. Mesmo com os cuidados, também foram relatados casos da COVID-19 entre jogadores de diferentes países.
Depois do encerramento da Liga dos Campeões (23), o Campeonato Francês (Ligue 1) começou sua nova temporada (2020/2021) na sexta-feira (21) depois de a temporada anterior ter sido encerrada precocemente graças à pandemia. Entre as medidas para conter a transmissão do coronavírus, foi instituído um protocolo médico e de saúde de 57 páginas, recomendado o uso de máscaras e distanciamento social.
Além disso, os jogadores deverão ser testados de dois a três dias antes de cada disputa. Diferente das normas do Brasileirão, entretanto, o jogo poderá ser adiado, caso quatro casos sejam identificados no mesmo clube em um intervalo de oito dias. Nesse caso, é considerada “circulação ativa” desse vírus.
Por outro lado, os estádios contarão com público, desde que se respeite a limitação máxima de cinco mil pessoas — neste total, devem ser incluídos jogadores, treinadores e trabalhadores do estádio. A medida estipulada pelo governo francês apenas continua em vigor, já que foi deliberado anteriormente.
Agora, a UEFA discute se a Supercopa da Europa (confronto entre o campeão da Champions e o da Liga Europa), marcada para setembro, poderia funcionar como um teste para que os torneios europeus voltem a receber público dentro dos estádios, mesmo que em menor número.
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Fonte: Canaltech