A Semana de Arte Moderna de 1922, um marco na história cultural brasileira, teve como um dos seus principais mentores o pintor Di Cavalcanti. Foi durante uma reunião de artistas realizada em novembro de 1921, durante a exposição de Di Cavalcanti em São Paulo, que a ideia da Semana surgiu. Na ocasião, o escritor Graça Aranha propôs a realização de uma série de conferências para divulgar as ideias modernistas que estavam ganhando popularidade. Mario de Andrade e Oswald de Andrade foram responsáveis por convocar os artistas paulistas, enquanto Di Cavalcanti se encarregou dos artistas cariocas. Com a liderança de Aranha, experiente escritor e diplomata, o evento adquiriu um caráter nacional, o que foi essencial para sua grande repercussão.
Essa é apenas uma das muitas histórias sobre Di Cavalcanti, retratadas no livro “Di Cavalcanti: Modernista Popular”, escrito pelo pesquisador Marcelo Bortoloti. O autor já havia se dedicado anteriormente à biografia de outro grande pintor brasileiro em “Guignard: O Anjo Mutilado”, lançado em 2021.
Nesta nova obra, Bortoloti traça um perfil do artista que ajudou a construir uma imagem icônica do Brasil, retratando camadas da sociedade que antes eram marginalizadas. Di Cavalcanti retratou com maestria o cotidiano da gente humilde do país: pescadores, mulheres negras, prostitutas e a vida nos subúrbios. Sua própria origem o tornava íntimo dessa realidade. Além disso, ele foi o primeiro dos modernistas a levantar a bandeira da luta social e se filiar ao Partido Comunista.
Para Bortoloti, a conexão imediata que as obras de Di Cavalcanti estabelecem com o público tem raízes na vida familiar do pintor. Ele era sobrinho de José do Patrocínio, um dos grandes nomes do movimento abolicionista no Brasil. A escolha dos temas e a valorização da identidade nacional foram influências da escola francesa que Di Cavalcanti seguia e admirava. No entanto, em termos de estilo, ele era um defensor ferrenho da arte figurativa, não apenas por questões estéticas, mas também por ideologia. A partir da década de 1950, o mercado norte-americano passou a valorizar o expressionismo abstrato, representado por artistas como Jackson Pollock e Jasper Johns. As obras desses artistas alcançaram valores exorbitantes e passaram a custar milhões de dólares. No entanto, Di Cavalcanti se opunha a essa tendência e se aliava aos muralistas mexicanos, como Diego Rivera e David Alfaro Siqueiros. Ele defendia a ideia de que a arte deveria estar nas ruas e ser acessível a todos.
Atualmente, uma exposição em São Paulo celebra os 125 anos de Di Cavalcanti. Entre as obras expostas está “O Destino de Carnaval”, que havia sido vendida pelo próprio pintor para um colecionador francês em 1930 e cujo paradeiro era desconhecido até então. A exposição também conta com a famosa série de desenhos “Fantoches da Meia-Noite”, exibida na Semana de Arte Moderna de 1922, e outras obras icônicas do artista. A mostra, que tem curadoria de Denise Mattar, estará em cartaz até o final de 2023 no Farol Santander.
Di Cavalcanti deixou um legado artístico marcante, retratando a alma do Brasil em suas telas. Sua arte continua a inspirar e encantar o público até os dias de hoje.