A quebra de quarta parede é um recurso narrativo bastante comum na ficção. Dos quadrinhos da Mulher-Hulk e Deadpool e filmes como Curtindo a Vida Adoidado, não faltam exemplos de como a metalinguagem é um ótimo recurso para brincar com a mídia e levar a história por caminhos inesperados de uma forma que nenhum outro formato seria capaz.
E é claro que os videogames não poderiam ficar de fora disso. Seja pela interação, pelo suporte tecnológico ou pelo simples fato de amalgamar características de outros meios, os jogos são um terreno muito fértil para que a quarta parede não só seja quebrada, mas esmigalhada de formas muito diferentes e sempre muito surpreendentes.
Seja com pequenas brincadeiras em que os personagens mostram ter consciência de que estão em um game a soluções mais mirabolantes que exploram a fundo a linguagem e as particularidades dos jogos, opções é o que não faltam. Por isso mesmo, selecionamos algumas demonstrações do quanto essa metalinguagem pode enriquecer nossa experiência.
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10. Sonic: The Hedgehog
Quase ninguém falava em quebra de quarta parede nos videogames em 1991, quando o primeiro Sonic: The Hedgehog chegou ao Mega Drive. No entanto, um detalhe na estreia do ouriço azul foi tão marcante que é lembrada pelos jogadores até hoje: quando você larga o controle por um tempo, o personagem fica impaciente e passa a pressionar o jogador a voltar.
É algo bem pequeno, quase como uma piada dos desenvolvedores da época, mas que ajudou a construir a personalidade do mascote da SEGA e que introduziu um elemento de metalinguagem que muitos jogadores nunca tinham visto até então. Não só mostrava que o ouriço tinha consciência de estar sendo controlado como ainda dava uma bronca em quem deixava o game de lado por um tempo.
9. Pokémon Red/Blue/Yellow
Pouca gente lembra, mas a série Pokémon como um todo tem como tradição brincar com a quarta parede e brincar com as fronteiras da ficção e da realidade. É algo que os jogos fazem desde a primeira geração, com Red/Blue/Yellow no Game Boy e que foi sendo replicado a cada novo lançamento.
Nos primeiros jogos, os jogadores podiam visitar os estúdios da Game Freak na cidade de Celadon e conversar com alguns dos desenvolvedores. Essa brincadeira passou a ser repetida a cada nova geração e, em alguns jogos, é possível encontrar personagens que falam abertamente que foram eles que programaram e criaram o protagonista.
Nos títulos mais recentes, o programador e designer Shigeki Morimoto foi inserido como uma espécie de chefe secreto dos games. Quando o treinador completa a Pokédex, pode desafiá-lo e enfrentar seu time de Pokémon superpoderosos.
8. South Park: A Fenda que Abunda a Força
É óbvio que um jogo da série South Park iria brincar com a metalinguagem na hora de fazer seu humor escrachado. No segundo game da franquia, A Fenda que Abunda Força, isso acontece já em seus momentos iniciais — mas só se o jogador tomar algumas ações.
A trama do jogo é uma sátira aos filmes de super-heróis e a abertura traz Eric Cartman fantasiado de Guaxinim narrando uma história à la Batman. E a quebra da quarta parede acontece quando você tenta pular a cena, irritando o garoto. Assim, ele pede para que você pare de interrompê-lo e volta a fazer a narração.
O engraçado é que, quanto mais o jogador tenta cortar a apresentação, mais bravo Cartman fica. A coisa escala em nível que ele simplesmente desiste de brincar de super-herói e o jogo vai direto para os créditos finais.
7. Conker’s Bad Fur Day
Um dos clássicos do Nintendo 64, Conker’s Bad Fur Day usava e abusava da metalinguagem para explorar o mau humor e a boca suja de seu protagonista. Em alguns momentos do game, o esquilo ficava tão irritado com certas situações que passava a xingar os responsáveis pelo jogo, incluindo roteiristas e programadores.
Um dos momentos mais icônicos dessa revolta do protagonista com seu próprio jogo acontece quase no final da história, quando Conker está lutando contra um chefe alienígena. A batalha é tão difícil que, em determinado ponto, o roedor para tudo para negociar com a equipe da Rare para pedir uma ajuda. E é claro que ele faz isso com toda a sutileza que lhe é característica, o que significa chantagear e ameaçar todos os envolvidos.
6. Monkey Island 2: LeChuck’s Revenge
De forma muito parecida, o clássico Monkey Island 2: LeChuck’s Revenge também apela para a equipe de desenvolvedores para resolver alguns enigmas. Em determinado ponto da trama, o herói Guybrush Threepwood está perdido em uma floresta e sem saber como sair dali. É quando se depara com um telefone que permite que ele ligue para o pessoal da Lucasarts, que vai dar dicas do que fazer e ainda pedir desculpas por algumas decisões um tanto questionáveis em relação ao jogo.
5. Assassin’s Creed 2
O momento mais impactante de toda a franquia Assassin’s Creed acontece no segundo jogo, quando Ezio finalmente enfrenta Rodrigo Borgia em plena Capela Sistina. Após a batalha final, o herói encontra Minerva e descobre o segredo envolvendo a raça que veio antes da humanidade. E, em determinado momento da conversa, ela explica que as pessoas do passado não eram capazes de entender a existência de seu povo e talvez nem mesmo Ezio seja capaz — e é quando ela olha para a câmera e passa a falar com o jogador.
A grande graça de Assassin’s Creed 2 é que ele cria uma enorme ambiguidade nesse momento. Como os acontecimentos no Renascimento são frutos de uma realidade virtual vivida por Desmond no presente, não fica claro se Minerva está falando com o personagem ou com o jogador que está com o controle em mãos e em frente à TV.
No fim, ela apenas explica a história por trás da História, mas o fato de ele deixar claro que a mensagem não é para Ezio, mas para alguém que está acompanhando o personagem (ou seja, nós) é uma das razões que fazem deste game um dos melhores de toda a franquia da Ubisoft.
4. Deadpool
É claro que Deadpool iria levar toda a sua loucura para os videogames. Na verdade, o personagem já fazia isso até mesmo em suas aparições em Marvel vs Capcom, em que ele usava a barra de energia para lutar contra os outros personagens. Contudo, é no seu jogo próprio que a loucura da metalinguagem vai a novos níveis.
Assim como nos quadrinhos e no cinema, o Mercenário Tagarela deixa bem claro que está ciente de que ele é parte de um game e há até mesmo conversar com o estúdio responsável pela adaptação. Já na cena de introdução, é possível ver uma lista de ideias do antiherói para o seu jogo e ele até faz um ataque na casa do produtor para que ele libere o desenvolvimento.
Além disso, há toda uma série de brincadeiras com os balões de pensamento que representam as vozes na sua cabeça. Mais do que aparecer na tela como legendas, o próprio Deadpool passa a mexer e a interagir com essas caixas, da mesma forma que responde a cada troféu que o jogador conquista. Isso sem falar, é claro, das várias conversas que ele tem com quem está jogando.
3. Undertale
Toda a premissa e o charme de Undertale está no quanto ele quebra a quarta parede para subverter a própria lógica do videogame. A todo o momento, os personagens falam com o jogador sobre a real necessidade de partir para a violência, reclamam sobre seus status e até fazem piada com o fato de o jogador estar observando tudo o que eles fazem, como um belo voyeur.
E um dos momentos mais icônicos dessa metalinguagem nessa obra-prima indie está no encontro com Asgore, o Senhor do Submundo. Como o jogo quebra a lógica dos RPGs tradicionais e traz um botão de Misericórdia para evitar um combate e resolver tudo de forma pacífica, o vilão entra em cena e literalmente destrói essa opção, forçando o jogador a combatê-lo.
Como se não bastasse, a maneira de evitar a morte do adversário é arranjando um jeito de reconstruir a função que ele removeu do jogo. Uma solução muito criativa e que mostra por que Undertale é essa maravilha que todo mundo fala.
2. The Stanley Parable
Outro jogo independente que brinca com a metalinguagem para fazer algo muito diferente é The Stanley Parable. Isso porque a quebra da quarta parede é a base de toda a jogabilidade.
No game, o jogador acompanha Stanley, um homem comum que segue sua vida comum. E sua rotina é inteira apresentada por um narrador que vai descrevendo passo a passo o que ele faz — e cabe ao jogador decidir se vai seguir ou não essas instruções.
A partir disso, jogador e narrador se desassociam e entram em um constante diálogo sobre o que ou não fazer com o pobre protagonista. É uma forma muito criativa e única de mostrar como essas três instâncias podem existir separadas dentro da narrativa ao mesmo tempo em que as interações podem ramificar e construir a história de formas bem particulares.
1. Metal Gear Solid
O uso da metalinguagem em Metal Gear Solid pode não ser o mais original de todos, mas certamente foi um dos mais impactantes e surpreendentes para os jogadores. Não por acaso, é também um dos mais lembrados quando o assunto é quebra da quarta parede nos games.
O confronto de Solid Snake contra Psycho Mantis é bastante único porque é uma experiência que muda de jogador para jogador e que é quase impossível de ser replicada fora do PlayStation original. Isso porque o vilão com poderes psíquicos usa sua habilidade de ler mentes para buscar informações não só sobre o protagonista, mas também para o jogador.
E como ele fazia isso? Vasculhando informações do Memory Card do console. Mantis passa a ler os dados de outros jogos salvos no dispositivo e comentava sobre as preferências do jogador, destacando sobretudo outros títulos da Konami.
Além disso, era preciso outro truque de metalinguagem para poder vencer o inimigo. Como ele era capaz de ler a mente de Solid Snake, o vilão sabia os comandos que o jogador dava no controle. Assim, a maneira de driblar essa habilidade era conectando o joystick na porta destinada ao player 2.
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Fonte: Canaltech