Ansiedade, burnout, depressão… os últimos anos foram marcados com o adoecimento mental da população mundial, agravado principalmente pela pandemia de covid-19. O excesso de trabalho, a insegurança financeira e o esgotamento emocional de milhares de pessoas estão refletindo diretamente no mercado de trabalho, que enfrenta dificuldade para lidar com tais questões.
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Metade dos funcionários se sente esgotado e acha que o emprego é muito estressante. Um em cada três profissionais considera que sua felicidade foi afetada pelo estresse do trabalho e 40% dos entrevistados planejam pedir demissão nos próximos anos. É o que diz a pesquisa Talkspace’s Employee Stress Check, feita por uma consultoria de saúde mental nos Estados Unidos neste ano.
Entre os principais motivos de insatisfação citados pelos entrevistados, estão: salário baixo (57%), esgotamento emocional ou burnout (51%), falta de flexibilidade da empresa (45%) e excesso de horas extras (44%). O cenário de insatisfação geral deu espaço a um movimento que vem chamando atenção no meio corporativo: o quiet quitting, ou demissão silenciosa.
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O que é demissão silenciosa?
A demissão silenciosa consiste em um funcionário executar suas funções, se limitando ao necessário. Para Patrícia Ansarah, psicóloga e uma das fundadoras do Instituto Internacional de Segurança Psicológica (IISP), o movimento dá voz ao sofrimento das pessoas no ambiente de trabalho — o que não tem relação com a falta de engajamento.
“Tem a ver com o colaborador optar por permanecer realizando suas funções sem assumir responsabilidades extras, contra as expectativas de líderes e empregadores de que todos dedicarão horas adicionais e energia sem compensação adicional. Embora possa parecer falta de engajamento ou apatia, são pessoas que até não se importam em trabalhar muito, desde que vejam valor e benefício em sacrificar o seu tempo e saúde para isso”, avalia Ansarah.
Alavancado principalmente pela Geração Z (nascidos entre 1996 e 2012), o movimento foi criado devido a uma série de fatores que incluem insegurança financeira, constante estresse e, consequentemente, queda na qualidade de vida. Para Veruska Galvão, psicóloga do IISP, a mudança drástica do modelo de trabalho durante a pandemia, com profissionais sobrecarregados, sofrendo pressão por resultados e, na maioria das vezes, não recebendo o devido valor e remuneração, provocou um aumento na adesão ao quiet quitting.
“É um movimento mundial que essa geração mais nova provoca sobre o que significa ter uma carreira de sucesso e qual o preço disso, numa resposta às gerações anteriores que estão adoecendo por terem negligenciado conversas sobre limites, saúde e bem-estar. É um movimento social de crítica à normalização do excesso de trabalho”, afirma Ansarah.
Demissão silenciosa está diretamente relacionada à liderança
Galvão acredita que as empresas que não prepararem seus líderes para entender o contexto e o impacto do movimento sofrerão consequências negativas. Ela aponta que os gestores devem reavaliar prioridades, estabelecer conexão com seus times, incluir em suas pautas o tema de saúde mental — se colocando como parte do time, assumindo a responsabilidade pelos indicadores de saúde e desempenho da equipe.
Para Ansarah, o movimento de quiet quitting está diretamente relacionado à liderança. A falta de clareza dos papéis, objetivos e metas causa ineficiência operacional, resultando em retrabalhos, horas extras e esforços que não geram valor. Segundo a psicóloga, a insegurança dos líderes em confiar em seus times e a falta de tempo como desculpa para não estar com suas equipes geram distanciamento entre líder e liderado — aumentando o nível de estresse, ansiedade e doenças mais graves como burnout e depressão.
Já Antonio Wrobleski, especialista em logística e sócio da empresa Pathfind, acredita que existem dois tipos de praticantes de quiet quitting: um deles é uma característica das novas gerações (que não planeja ficar muito tempo em uma empresa só) e o outro acontece quando o funcionário não vê perspectivas de crescimento ou a companhia não oferece atratividade.
“A pessoa só se estressa, se frustra, quando não alcança seus objetivos, sejam pessoais, de relacionamentos ou empresariais. O quiet quitting é um ponto na curva que acontece há algum tempo e hoje está tendo publicidade porque algumas empresas não sabem como lidar com isso”, diz Wrobleski.
Como lidar com demissão silenciosa?
Os casos de burnout são mais frequentes em profissionais que possuem dificuldade de se desconectar do trabalho e sofrem com o excesso de cobrança por resultados, como as áreas de serviço, educação e saúde — além de grandes corporativas.
Ansarah alerta que a demissão silenciosa impacta os resultados financeiros e sustentabilidade do negócio. O aumento de auxílio-doença, absenteísmo, afastamentos médicos, ineficiência operacional, entre outros fatores, afetam a reputação da empresa. Uma pesquisa da Gallup aponta apenas 25% dos 3 milhões de profissionais entrevistados estão engajados no trabalho. Em dólares, isso custa US$ 7,8 trilhões (R$ 42,2 trilhões) à economia global.
Os especialistas concordam que o primeiro passo para lidar com essa situação é identificar o que precisa ser mudado. Para isso, é preciso desenvolver uma relação mais próxima entre líder e liderado, de maneira que as pessoas se sintam confortáveis para trazer suas questões, compartilhar inseguranças e pedir apoio sem medo de sofrer retaliação. Um ambiente de trabalho saudável também inclui horários mais flexíveis, ambientes mais leves e soltos.
Gestores devem se atentar aos indicadores de pessoas
Entendendo não haver mais espaço para “resultados a qualquer custo”, gestores devem se preparar para fazer mais perguntas e dar menos respostas, abrindo espaço para a diversidade de pensamentos e criando oportunidades de diálogos férteis na companhia.
Wrobleski diz que, além dos indicadores-chave de desempenho (KPI), é preciso voltar a atenção aos indicadores-chave das pessoas. Ele ainda ressalta que, ao observar as pessoas na empresa, o gestor consegue identificar eventuais problemas, como por falta de motivação, presença inconstante, entregas irregulares, que caracterizam o quiet quitting.
“Ambientes psicologicamente seguros favorecem a alta performance em uma dinâmica social saudável, a qualidade das conversas aumenta e o nível de estresse diminui, impactando a saúde do colaborador e a saúde financeira da empresa”, garante Galvão.
Quiet firing: medida é imatura e mancha a reputação da empresa
O quiet firing, ou dispensa silenciosa, é uma resposta imatura da liderança aos problemas dos funcionários que aumenta a distância entre líder e liderado, diz Ansarah. Neste caso, os líderes passam a suspender feedbacks, congelar promoções, promover mudanças repentinas, não compartilhar informações relevantes para o trabalho, cancelar reuniões, entre outras práticas, até que a situação se torne insustentável e o funcionário peça para sair.
Do ponto de vista de empresário, Wrobleski defende que a dispensa silenciosa não deve existir: “Se o funcionário não está atendendo à empresa, não importa o comportamento dele, se estiver fora da curva, o gestor precisa trazê-lo para dentro. Não pode nunca haver uma dinâmica de quiet firing”.
Segundo a psicóloga Galvão, assim como empresas respondem por indicadores de desempenho e de acidente de trabalho, também responderão por indicadores de saúde mental e reputação organizacional: “empresas que quiserem se manter competitivas e saudáveis no mercado, precisarão trabalhar em estratégias de prevenção com muito foco na qualidade das relações”.
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Fonte: Canaltech