As chamadas de Pantanal te emocionaram? A Globo tem caprichado na divulgação da nova novela, principalmente por ter resgatado o tema de abertura da Manchete em uma versão ainda mais épica. Telespectadores chegaram a agradecer à emissora por ter “gravado” a música novamente. Contudo, o trailer confundiu o público. A canção que toca nos intervalos comerciais não é da Globo. Foi extraída de um show gravado em novembro de 2016 e disponível no YouTube. O autor da trilha sonora original, Marcus Viana, não foi chamado para o projeto e descobriu que ouviria sua voz nos anúncios somente às vésperas da exibição.
Pela primeira vez, Marcus Viana fala sobre o remake de Pantanal e sua música na Globo. O cantor e compositor foi procurado pela coluna assim que a primeira chamada foi ao ar, na noite de 22 de fevereiro. Duas semanas depois, ele atende ao pedido de entrevista por dois motivos: esclarecer que não está envolvido na produção global e pressionar a emissora por respostas, a poucos dias da estreia da novela das nove. Ele liberou o tema para a nova abertura, mas o canal decidiu regravá-lo com outro artista. Viana quer participar da escolha do intérprete e, dependendo da decisão final, pode vetar o uso.
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Consultada pela coluna para explicar a abertura e as informações trazidas por Marcus Viana, a Globo afirmou, por meio da assessoria de imprensa que os responsáveis pela produção musical da novela “estão em um momento de fechamento da trilha” e, por isso, não podiam responder neste momento.
Em entrevista exclusiva, o músico de 68 anos revela que nunca viajou ao Pantanal (pelo medo de avião já superado), mas quer conhecer o bioma e beijar o solo que mudou sua carreira. Ele ainda relembra a parceria com o diretor Jayme Monjardim e os trabalhos de sucesso na TV, como a novela O Clone e a minissérie A Casa das Sete Mulheres, que estava prestes a ganhar musical mas foi suspenso pela pandemia.
Confira abaixo a íntegra da entrevista com Marcus Viana:
PAULO PACHECO: Primeiramente, é um prazer imenso falar com você por acompanhar seu trabalho em várias trilhas, e que bom que está de volta a um projeto que marcou tantas gerações. Imagino o quanto você deve estar sendo requisitado para falar sobre este retorno.
MARCUS VIANA: Na verdade, eu não estou de volta ao projeto, isso que é o mais interessante. Temos que colocar assim. A Globo pediu autorização para usar uma trilha minha que está no meu YouTube, extraída de um show ao vivo. Então não estou no projeto, não fui contratado para fazer a trilha.
PP: Estou surpreso, porque pensei desde o começo que era uma trilha regravada pela Globo para a novela. E não é. É isso?
MV: Não, existem outros produtores musicais na casa que estão trabalhando na trilha há mais de um ano e meio, a novela sofreu um atraso. Acho impressionante porque todo mundo está achando que eu estou trabalhando na novela. Não estou. Foi louco, porque existem produtores contratados para fazer a trilha, a Globo achou esse vídeo e veio pedir autorização para usar. É um show [de novembro de 2016] com todas as minhas trilhas. Passa por Pantanal, O Clone, A Casa da Sete Mulheres, Terra Mostra, minhas grandes trilhas para televisão, até o filme Olga. Esse DVD mostra meu trabalho para cinema e TV com o Jayme [Monjardim] e o Walter Avancini (1935-2001), entre outros diretores. O Jayme foi o meu maior parceiro em número de trabalhos para televisão.
PP: O primeiro foi Pantanal?
MV: O primeiríssimo foi um tango para a novela Kananga do Japão, que o Raul Gazolla dançou com a Daniella Perez. Ele viu um show do Sagrado Coração da Terra [banda de rock progressivo de Marcus Viana] e me levou para a Manchete. Jayme tinha um apreço muito grande por música erudita, e no Brasil na época não havia muita gente que tocava instrumentos de corda. Eu tocava violino e flertava com outros, como violoncelo, e dominava o ambiente de orquestra, que eu tinha estudado, mas também estava apto a fazer trilhas sonoras. Eu morava em Minas Gerais e o Jayme veio atrás de mim: ‘Cara, você é o parceiro que eu queria’. Depois do tango, o próximo trabalho acabou sendo Pantanal para minha surpresa, porque esperava outro trabalho, O Crime do Padre Amaro. E Pantanal superou tudo. Fui chamado para a trilha sonora e trilha incidental. Como eu sempre compus canções e sempre cantei minhas obras, na hora que vi a abertura falei: ‘Vou fazer uma aqui’. Tinha recebido umas imagens aéreas de rios que pareciam capilares, os vasos do planeta Terra como se fossem artérias ou veias de um grande corpo verde. A letra nasceu desta vista aérea, ‘são como veias… os rios que trançam o coração do Brasil’. Não fui contratado para fazer abertura nenhuma, mas mandei e fiquei esperando. Passou um mês, liguei de volta. ‘Queria saber se já escolheram a abertura’. A secretária falou: ‘Sei que o que ficou de abertura foi uma chata: Ô ô ô’. Foi assim que descobri que minha canção iria para a abertura. E foi feita de qualquer jeito. Mandei uma nova, toda bem arrumadinha. Ouvi: ‘Está uma bosta, a outra que é boa!’. Televisão tem muito disso.
PP: Você já tinha conhecido o Pantanal antes?
MV: (Risos) Agora eu vou ter que rir. Eu nunca fui ao Pantanal! Não é engraçado? Conheço mais pelas fitas do que pela gente que foi lá. Naquela época, eles mandavam fitas VHS e eu recebia imagens aéreas, imagens de barco, de chalana, de balão, fazenda, pescaria. Ou seja: recebi fita para cacete nesta brincadeira! Isso me possibilitou conhecer visualmente a região e me inspirar, mas por ter que ficar trabalhando não fui ao Pantanal, e na época eu tinha um pouquinho de fobia aérea também, devo confessar. Agora não mais. Tinha um medinho de avião, porque para ir ao Pantanal precisava ir de teco-teco, só aviãozinho. Acabei não conhecendo. Depois que fiz a abertura, a velha história: ninguém estava achando a música para o casal principal [Juma e Joventino] e compus a música Amor Selvagem. Sem querer, fui o cara da voz do Pantanal. Não sou um cantor que vive da voz, sou uma mistura de compositor, arranjador, instrumentista e cantor. Ou seja: de tudo um pouco. Para televisão, isso é muito bom, porque eu tinha muita agilidade para entregar trabalhos. Eu mandava com a minha voz para eles escolherem outros cantores, mas acabavam gostando da minha. Aconteceu em O Clone. A música A Miragem, do verso ‘Somente por amor…’, fiz igualzinho como em Pantanal, mandei com a minha voz e falaram: ‘Vai você mesmo’. Era para ter sido um cantor mais parrudo, mas ficou na minha voz.
PP: Encontraram lá fora o Michel Bolton, que gravou a versão em inglês, All For Love…
MV: O pessoal da trilha internacional já chegou com o contrato pronto para o Michael Bolton, não passou por mim. Alguém deve ter achado minha voz aquém do que queriam. Ele pegou a música e fez uma nova parte, mais um refrão com os gritos no final. Ele acrescentou e se tornou parceiro na versão internacional.
PP: Uma raridade, porque o que mais temos são versões brasileiras de músicas estrangeiras, e neste caso o caminho foi inverso.
MV: É muito raro. Não foi a meu pedido. A Globo Internacional chamou o cara, e a diferença é muito grande. Aqui recebemos como versionistas. Lá ele quis receber como parceiro.
PP: Para você, que era um roqueiro nos anos 70, como foi ver sua carreira guinar para um rumo totalmente inesperado pelo sucesso de Pantanal? Você acabou se tornando o ‘homem-novela’, o homem das trilhas das novelas.
MV: Inclusive, eu tive problemas com os fãs do Sagrado Coração da Terra. Quando fiz Pantanal, ainda estava no grupo. Veio outra novela, A História de Ana Raio e Zé Trovão, e pus Sagrado na novela também. Fiz Xica da Silva e fui estudar a música colonial brasileira. A televisão, aos poucos, me tirou dos palcos do rock progressivo. Os fãs ficaram irados: ‘Você só pensa em novela!’. Em 1998, eu me vejo com o Jayme na Globo preparando Chiquinha Gonzaga, dando início a uma sequência ininterrupta de novelas e minisséries. Hoje é difícil, mas a rotina do Jayme era tão absurda que ele fazia uma minissérie e logo em seguida preparava a próxima novela das nove. Olha essa sequência: minissérie Chiquinha Gonzaga, novela Terra Mostra, minissérie Aquarela do Brasil, novela O Clone, minissérie A Casa das Sete Mulheres, filme Olga e novela América, que foi onde trombamos em um muro e paramos, porque alguém, não sei quem: ‘O Marcus é do time do Jayme’ [o diretor brigou com a autora, Gloria Perez, e saiu da direção da novela].
PP: Em América, se ele saiu você iria sair junto.
MV: Isso mesmo, e o Jayme gostou de mim porque eu transitava entre o erudito e o popular.
PP: Você realmente imprimiu a sua marca na lembrança popular. Agora, O Clone está sendo reprisada…
MV: Estou morrendo de rir, também tem A Casa das Sete Mulheres no Viva.
PP: Está caindo alguma graninha aí?
MV: Agora sim. Antes não recebíamos direitos autorais porque o sistema era mais frouxo. A Manchete estava falida, imagina. Eu lembro que fui contratado por quase nada para fazer Pantanal e não existiam direitos autorais. Estou agora em Minas, no meio do mato, a 1.500 metros de altitude, em Brumadinho. Fico em cima do vale, não embaixo, onde aconteceu a tragédia. Fico ilhado, bonitinho, mas à disposição de quem quiser trabalhar. Estou ativo, ainda sou novo e não é hora de parar. Aí chega Pantanal. Confesso a você que fiquei muito chocado, porque todo mundo queria saber: ‘Você está fazendo a trilha?’. Gente é remake, ninguém me chamou, vão fazer tudo novo.
PP: Qual foi sua reação quando soube que Pantanal seria refeita?
MV: Ah, eu achei do cacete! Mas como não houve contato nenhum eu fiquei quieto no meu canto. Aos 46 minutos do segundo tempo, minha música entra no ar e eu começo a ouvi-la. ‘Você autoriza a usar esse áudio aqui?’. Os caras botaram e eu: ‘O que está acontecendo?’. Ah, em novembro do ano passado, aos 44 do segundo tempo, finalmente a Globo se manifestou pedindo autorização à minha editora, Warner, que é dona de Pantanal, para o uso do fonograma que seria interpretado por um grande nome da MPB. Falei: ‘Desde que eu possa aprovar o nome, eu autorizo ou não’. Fiquei com medo de ser um desses… o povo é doido, sei lá quem vão chamar para cantar. Se eu puder aprovar depois do produto final, eu autorizo.
PP: A ideia deles é regravar a sua música com outro cantor, e você gostaria dar o aval na escolha do intérprete para não prejudicar o seu trabalho?
MV: Eu quero ter o orgulho de autorizar, desde que eu possa saber quem vai ser. Estou no aguardo disso. Vou aprovar. A abertura será Pantanal sim. A música está na novela.
PP: Mas a música que está na chamada não é a da abertura.
MV: Não, é só para a chamada. Essa é a primeira entrevista que estou dando em caráter nacional sobre isso. Resolvi me abrir porque o tempo está se extinguindo e reparei que, quando a novela começar, meu material deve ser retirado do ar. Achei interessante que em novembro me pediram autorização da música para a abertura. Fiquei muito feliz, claro, porque de alguma forma estaria no remake. Imagine a minha surpresa quando começo a ouvir a minha voz em uma chamada majestosa, porque nunca vi algo tão bem feito, tão bonito. Aquela chamada que entrou no ar no dia 22. Pediram autorização para usar o áudio no intervalo do Big Brother. Pensei com meus botões que a abertura ainda não tinha ficado pronta ou querem fazer surpresa. Só que não parou mais, passaram versões variadas, de um minuto, apresentando os personagens, e também versões de um minuto e meio. Há 16 dias, diariamente, estou vendo Marcus Viana em rede nacional maciça vendendo um produto do qual eu não participo. Não estou fazendo a trilha sonora. A Globo, usando a minha voz e a trilha passada de Pantanal, está fazendo uma chamada afetiva para as pessoas que assistiram. ‘Ei, vocês que viram Pantanal, olha aqui, ó!’. A música com imagens em 8K. 8K! Nem sei o que é isso. ‘A turma que ouviu Pantanal, lembra dessa música? Está aqui!’. A emissora está fazendo essa leitura de memória afetiva, uma chamada para o coração das pessoas. Você não lembra direito, mas quando toca a música seu coração bate.
PP: De fato, quando a chamada começou o público chorou nas redes sociais. Embora tenha sido extraída do YouTube, a qualidade do áudio está muito boa.
MV: Eles viram duas músicas, não só Pantanal. Aquela parte suave do início, que o violino imita passarinho, grilo, se chama Noite. Sem saber, dois temas foram utilizados. Começaram a chover para mim recados em todas as redes sociais. Recebi várias frases no plural: ‘Marcus, vencemos!’. Descobri que houve pressão para que usassem a minha música. A Globo não é boba de ficar surda e cega aos fãs que movimentam isso. Tudo passa a ser uma espécie de informação para eles.
PP: A Globo te pagou?
MV: Esse é um acerto que eles fazem com a editora. Não passa pelo autor. A gravadora cuida desse acerto com a Globo. O que achei bonito foram pessoas falarem no plural que vencemos! Estou muito feliz porque é como se isso fosse parte das vidas delas. Cartas que recebo há anos: ‘Pantanal mudou minha vida’, ‘Pantanal curou minha mãe’. Transito muito nesse meio de músicas espiritualistas. Eu tinha um amigo bruxo, cigano, que falava assim: ‘Pantanal cura o câncer, mexe com a cura da memória ancestral, está ligada à essência do Brasil verde, está ligada às nações dos povos originários, à posteridade das pessoas que ainda não nasceram no Brasil e vão nascer. Pantanal é um hino ecológico’. Na época, foi muito emocionante. Agora, estou impressionado como as pessoas falando para mim no plural como se Pantanal tivesse pertencido à vida deles. E agora vejo a Globo refazendo. Essa trilha tinha que estar no meio. Sem ter convite formal para participar, minha música está embalando a novela. Estou feliz, independentemente de ter sido convidado formalmente ou não. Não fui. O diretor musical me ligou pedindo autorização para o uso da trilha, pensei que era no Big Brother e agora se passaram 16 dias ininterruptamente usando a minha voz, que virou um berrante. Estou funcionando como um berrante que chama o gado! ‘Ô ô ô…’. Depois não sei o que vai ser. Se vai dar certo ficar sem minha trilha depois, com certeza o que vier pela frente é belíssimo, porque eles também botaram trechinhos que não são meus e são tão bem feitos. Com certeza, as pessoas que estão nisso são do mesmo nível dos atores, do diretor Papinha [Rogério Gomes], que é maravilhoso. Não tem como ficar ruim.
PP: Se tivessem chamado você para participar do projeto, você aceitaria sem problemas mesmo afastado da televisão nos últimos anos?
MV: Eu não estou afastado de nada, mexo o tempo inteiro com trilhas sonoras. É porque nem tudo é televisão. Faço muito cinema independente, faço recuperação de som. Fiz a trilha de O Mundo em Duas Voltas, da família Schürmann, dos filmes do Joel Zito Araújo, como Filhas do Vento. Tenho minha linha de produção de vídeos, criei um canal no YouTube e mexo com vídeo e música. Atualmente, produtor musical também virou videomaker. O nosso mundo é visual. Todo mundo que faz música tem que produzir o vídeo da música. Nos últimos anos, com a pandemia, fiquei trancado fazendo vídeos lindos, inclusive alguns de Pantanal, versões novas. A Globo não achou isso por aí não.
PP: Vamos ver na novela! Você não vai perder um capítulo, vai?
MV: Não, e o bonito de eu estar presente é porque não houve o convite oficial até agora. Meu questionamento é: se não fui convidado para fazer, como os caras que fazem a trilha devem se sentir, porque estão mexendo com a memória afetiva pela minha voz. A pessoa que cantou há 30 anos está de volta. Não aguento mais receber ligação assim: ‘Marcus Viana, finalmente você está fazendo a trilha!’. Sei que a música vai entrar na abertura, mas não sei com quem, só que vai ser alguém majestoso.
PP: Quem você gostaria?
MV: Nossa, são tantas pessoas que gostaria, não tenho uma palavra. Sou mineiro, não vou falar dos mineiros, mas tem tantas pessoas maravilhosas no Brasil que poderiam interpretar. Menos os novos sertanejos, pelo amor de Deus. A turma dos universitários, não sendo nenhum deles, eu fico feliz. Acho que Pantanal é uma música mais intimista, não é para ser cantada pelo pessoal das baladas.
PP: Vamos ver quem vai ser, você também está ansioso para saber.
MV: Não sei se a música entra de repente, como vai ser o futuro da trilha, mas já fico feliz de ter participado do lançamento da novela. É uma forma de eu ter voltado pelo menos nas chamadas. Estou feliz por estar sendo lembrado. A nova geração não sabe qual voz é essa. Minha missão, e fico feliz por você estar me ligando, é informar às pessoas que eu sou o cara que já dava uns pulinhos 30 anos atrás (risos). Como eu disse, é minha primeira entrevista. É bom eu poder falar para as pessoas quem é esse cara, porque os mais antigos conhecem. É muito emocionante para mim poder falar isso.
PP: Marcus, eu te agradeço muito por esse tempo concedido a mim. Para encerrar, gostaria de saber o que você vai fazer quando pisar pela primeira vez no Pantanal.
MV: Vou beijar aquela terra, com certeza, que eu não conheço e está no fundo da minha vida. Transformou a minha música e o meu sentimento.
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Fonte: Observatório da Televisão