Futebol

Como a Uefa ignorou a grandeza dos uniformes esportivos ao censurar o Ajax

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Mês de edições especiais das principais revistas, novas criações, eventos e desfies, setembro não é considerado de suma importância para o universo da moda à toa. Ironicamente ou não, o nono mês de 2021 foi marcado pela insana decisão da Uefa de proibir o uso da terceira camisa do Ajax na Champions League.

O manto, que presta homenagens ao lendário cantor Bob Marley e aos milhares de torcedores que incansavelmente entoam a canção Three Little Birds, tem uma pequena e facilmente contornável questão burocrática: três pequenos pássaros. Poucos centímetros de cores e um denso significado foram suficientes para que a entidade máxima do futebol europeu manifestasse sua sentença.

Uefa enxerga o desenho (dos passarinhos) como uma expressão diferente do logo do clube, do logo do fornecedor de material esportivo e do logo do patrocinador na manga. Outras expressões visuais nas camisas não são autorizadas“, escreveu a organização. Contundente no posicionamento, a ordem parece escolher uma alegação que pouco condiz com as práticas atuais.

A moda enquanto ferramenta de expressão tem sido utilizado aos montes pelos maiores clubes do mundo. Embora a “desconstrução” da tradição dos uniformes possa ser uma discussão válida, o papel do choque, tão valorizado na atual geração, não deve sobressair aos princípios da elegante manifestação artística.

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Terceira camisa do Ajax foi usada na Eredivisie | BSR Agency/Getty Images

Em outras palavras: por que algumas controversas camisas, que pouco referenciam a logo do clube ou do fornecedor, podem estar no centro do torneio continental mais importante da Europa e a do time neerlandês não? Buscando nos aprofundar na relação da moda e esporte, falamos com Gustavo Viana, diretor de marketing da FISIA, distribuidora oficial da Nike do Brasil.


Tradicionalmente moderno

Pegue como exemplo os uniformes do Corinthians da década de 1970 eternizados em jogadores lendários como Rivelino: branco com listras pretas (ou vice-versa) e o brasão do time no canto superior. Esses eram os elementos. Isso quando o manto era listrado, afinal, não é difícil encontrar exemplares ainda mais simples.

De lá para cá, o Timão apostou no grená, roxo, cinza, azul e só não deve ter cogitado utilizar verde por razões óbvias. Eliminado qualquer juízo de valor, é possível, simples e cabível traçar uma relação entre os maneirismos atuais do esporte e a moda. Com o uso dessas camisas cada vez menos restrito aos ambientes esportivos, a questão estética ganha contornos mais especiais.

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Corinthians homenageou as mulheres em uniforme | Divulgação/Nike

E há muito cuidado envolvido em cada uma das etapas, como explica Gustavo Viana: “Todas as nossas peças, mesmo as que são voltadas para a performance, trazem também um cuidado estético, isso faz com que a gente quebre barreiras e dê oportunidade para que o consumidor escolha usá-las dentro ou fora de campo – e das quadras, academias etc“.

É sob essa ótica que nós, por meio de pesquisas com jovens torcedores, jornalistas, artistas, influenciadores e atletas parceiros, identificamos as características que eles buscam em seu dia a dia e implementamos em nossas camisas de futebol, transformando-as em peças-chave que possam transitar em diversos ambientesGustavo Viana ao 90Min

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Gustavo Viana falou em entrevista ao 90Min | Divulgação/Nike

É justamente a intersecção dos universos citados – e sua respectiva popularização – que permite homenagens como a do Ajax. “As camisas de futebol viraram peças-chave, podendo ser usadas no dia a dia, videoclipes, figurinos e até em campanhas de moda de rua. É um item que, sem dúvidas, está sendo mais valorizado e se tornando referência de moda. Por isso a Nike tem apostado na ‘Jersey Culture’, pensando nessas interações entre esporte, cultura, música e moda“, explica Gustavo Viana.

Enquanto forma de expressão estética e sociocultural, as peças futebolísticas não são mais feitas para ficarem limitadas aos espaços dos gramados. Quando o Ajax, em toda sua enormidade histórica, e a adidas idealizaram o manto em homenagem a Bob Marley e sua música Three Little Birds, as memórias de milhares de pessoas estavam sendo contadas nas dimensões de uma roupa. A Uefa, mostrando pouco ou nenhum traquejo para lidar com questões que evocam tradição, escolheu censurar princípios os da moda e, consequentemente, da arte.


Arte se repete?

Fenômeno da Copa do Mundo de 2018, o uniforme da seleção nigeriana foi parar no guarda-roupa de milhares de pessoas. Ao olhar para trás, podemos notar que não teria como ser diferente, afinal, a modernidade estética do manto trouxe um novo significado aos tons da bandeira do país, resultando num produto único, mesmo diante da reprodução em larga escala. Anos depois, alguns dos maiores do clubes do mundo ainda tentam repetir o feito. Pena que a arte não costuma deixar tantos espaços assim para repetição…

Aliás, a unicidade do setor criativo se deve justamente ao próprio método de execução. “A Nike conhece a história de cada clube/seleção e trabalha muito próximo os departamentos de marketing e comunicação no desenvolvimento das camisas, portanto existe confiança para que o design seja sempre inovador e esteja de acordo com os valores do clube/seleção. É muito importante ressaltarmos que esse é um processo em conjunto e que nosso objetivo é sempre entregar o melhor para o clube e para seus torcedores, que são muito plurais e têm gostos e afinidades diferentes“.

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Uniforme da seleção nigeriana foi um sucesso em 2018 | Divulgação/Nike

Ainda sobre o memorável manto da Nigéria, Viana destaca que a peça estabeleceu um novo padrão no futebol: “Temos muito orgulho da camisa de 2018 da Naija (apelido da equipe nigeriana) e apreciamos a oportunidade de soltar nossa criatividade em colaboração com a Nigéria, que nos permitiu romper barreiras e apostar em um estilo ainda pouco usual no futebol“.

Com a Nigéria, queríamos aproveitar a atitude da nação. Construímos essa coleção com base nas identidades dos jogadores, do time e dos próprios torcedores.Gustavo Viana ao 90Min

Fonte: 90min